Translate

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Dispositivos supraglóticos em posições não-habituais

Olá leitores do Blog do CTVA!

Gostaria de abordar um assunto que normalmente gera muita discussão e opiniões muito diversas: o uso de dispositivos supraglóticos em posições não-habituais, ou seja, posições diferentes do decúbito ventral horizontal. Isto inclui qualquer supraglótico (principalmente máscaras laríngeas, tubos laríngeos) e qualquer posição (prona, cadeira de praia, decúbito lateral...).

Gostaria de ilustrar com um caso recente da minha prática clínica. Paciente pediátrico, ia se submeter a correção de luxação congênita de quadril em DDH. Após a indução da anestesia, posicionei uma máscara laríngea sem problemas, obtendo boa ventilação, baseado na expansão torácica, capnografia e volume corrente expirado. Porém, para a minha surpresa (já que no mapa cirúrgico e no prontuário só constavam a realização do tratamento da luxação congênita) a cirurgiã disse que ia fazer infiltrações com toxina botulínica nos membros inferiores, e que faria em decúbito ventral. Pedi 10 segundos para pensar e resolvi simplesmente virar o paciente em decúbito ventral com o DSG, o que foi feito sem nenhuma dificuldade. A ventilação manteve-se excelente, a capnografia não mudou, e a infiltração foi feita sem intercorrências. Logo após, viramos o paciente novamente em DDH e foi feita a correção da luxação de quadril.

Mas é importate ressaltar em que condições decidi virar o paciente em DV com um DSG: o paciente estava em jejum (de outra forma eu nem usaria um DSG) e não tinha outros fatores de risco para aspiração pulmonar, eu posicionei o DSG em DDH com facilidade, o procedimento a ser realizado era simples e de curta duração, e caso houvesse deslocamento da máscara laríngea, eu conseguiria facilmente retornar a posição para DDH e novamente controlar a via aérea, já que o paciente era pequeno e leve, e o procedimento não produziria nenhuma ferida operatória com que me preocupar no momento de uma eventual mudança emergencial de posição.

Este caso inesperado me ensinou uma grande lição e serviu para quebrar um tabu. O uso de DSG em DV é possível (o que eu e a maioria de vocês sabem, mas fazer e ver ao vivo é completamente diferente), simples, e na minha opinião pode ser a melhor opção em casos selecionados. Imaginem o que seria se eu não optasse por posicionar este paciente em DV com o DSG. Iria intubá-lo, muitos responderiam. Mas será que isto seria o melhor para o paciente? Expo-lo ao trauma de uma laringoscopia (que não é pequeno e que nós habitualmente subestimamos), uso de bloqueador neuromuscular (com o risco de bloqueio residual e suas complicações, que são EXTREMAMENTE comuns e também subestimadas), custos adicionais (monetários e de tempo)...

Este foi o caso de posicionamento mais radical com DSG que eu fiz, mas já fiz casos em decúbito lateral (prótese de quadril) e posição sentada/cadeira de praia (cirurgia de ombro) muito tranquilos e sem intercorrências. Não sou um defensor ferrenho do uso de DSG em posições não-habituais, mas vejo cada vez mais que não só é possível, como pode ser um escolha racional e segura em casos selecionados. Ainda não tive (e não sei se um dia terei) coragem/capacidade de fazer casos mais prolongados e complexos como cirurgia de coluna com DSG, e penso que vários fatores devem ser considerados, como o tipo/tamanho da ferida operatória, pois na necessidade de mudança emergencial de posição (para reposicionar o DSG ou intubar o paciente), podemos contribuir para aumentar o sangramento ou contaminar uma ferida cirúrgica aberta.

Aguardo os comentários e opiniões de vocês!

Abraços a todos,

Rafael Coelho
Instrutor CTVA

4 comentários:

  1. Caro Rafael,
    Infelizmente, ou felizmente esses casos acontecem em nossa prática clínica. A falta de comunicação entre a equipe cirúrgica e anestésica pode ser fatal para o desfecho do caso.
    Sua capacidade de decisão foi excelente pois após a descrição do caso vi que a escolha foi pertinente. Pela foto da criança, pareceu-me que você não teve dificuldades para ventila-la na indução e caso houvesse um deslocamento do dispositivo supra-glótico você poderia retornar a ventilação com máscara facial. O uso não convencional de DSG está cada dia mais discutido e sempre devemos colocar numa balança o benefício versus o risco.
    É muito bom ver como você conduz os casos. Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Prezado Rafael,

    Seu "post" vem em boa hora !

    Há cerca duas semanas este tópico também foi discutido no SAM-Forum, o fórum de discussões da SAM-Society for Airway Management. O assunto gerou 10 e-mails com diferentes opiniões. Antes de mais nada, fiquei contente por perceber que mesmo entre os especialistas do Forum não há consenso. Na verdade, houve mais opiniões contra o uso dos DSG em posição prona do que a favor.

    Os que se manifestaram contra questionam os benefícios de tal técnica e os riscos num eventual deslocamento do DSG.

    Os comentários mais "balanceados e equilibrados" recomendavam seleção criteriosa dos pacientes (evitar obesos e pacientes com múltiplas comorbidades), seleção do tipo de cirurgia (somente casos rápidos mesmo - nos casos de coluna, no máximo discectomias) e sempre com cirurgiões experientes visando reduzir o tempo cirúrgico. Excluir pacientes sob risco de regurgitação e aqueles com via aérea difícil.

    Na minha opinião, é uma técnica possível de ser utilizada. Mas , para tal , é de extrema importância que o anestesiologista responsável pelo caso esteja familiarizado com o uso dos diferentes tipos de supraglóticos, as manobras de ajuste que otimizam sua performance e principalmente, que esteja apto a tratar complicações como obstrução da ventilação e vazamentos.

    Parabéns pelo seu caso. É o tipo de contingência que justifica o uso da técnica.

    ResponderExcluir
  3. Eu acho que a grande questão é : somente podemos inovar em algum tema quando sabemos muito sobre este tema . Antes de tentar um uso avançado de um determinado supraglótico , será que sabemos o suficientes sobre a estrutura , técnicas , limitações e manobras de correção do posicionado ? Com o conhecimento adequado teremos condição de indicar o uso do supraglótico em situações adequadas( mesmo que não convencionais) e mantendo a segurança do paciente e a eficiência do dispositivo.
    Parabéns Rafael.
    Mauricio Malito

    ResponderExcluir
  4. Nos anos 90, quando a máscara laríngea era uma novidade, e no nosso serviço nós dispúnhamos de algumas das primeiras delas a chegar no Brasil, experimentamos este dispositivo supra glótico para TUDO!!!(videolaparoscopias, mastectomias e até cheguei a fazer algumas craniotomias!!!). De um martelo novo para um médico e imediatamente este médico achará tudo que passar na frente dele parecido com prego... O uso de DSG em posições pouco habituais é plenamente aceitável quando nas condições expostas (não obeso, sem risco de regurgitação, cirurgia rápida e com possibilidade de retorno rápido ao DDH, etc.). Eu ainda lembro quando se discutia se era ou não permitida a ventilação controlada com DSGs... e hoje em dia isto é prática comum. Solução prática e inteligente para problema inesperado.

    ResponderExcluir