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domingo, 24 de março de 2013

BÓCIO E VIA AÉREA

Olá Amigos e leitores do BLOGCTVA.
Nesta última semana o FORUM do SAM ( Society for Airway Management) apresentou uma discussão bastante interessante. Um dos participantes relatou um caso onde o paciente desenvolveu um Bócio de grande volume que comprimia a via aérea e desviava a traqueia. A paciente se recusava à qualquer tipo de manipulação da via aérea acordada.
Os especialistas do SAM apresentaram vários aspectos da patologia e sugeriram várias técnicas de abordagem da via aérea, destacaram cuidados também com a ventilação e com a extubação. Para muitos ( mas não para todos) o mais importante era manter a respiração espontânea como forma de garantir a patência da via aérea.
Esta falta de consenso exemplifica que frente à algumas situações difíceis existem várias condutas aceitáveis, mas provavelmente nenhuma delas é isenta de riscos ou complicações. A decisão cabe ao profissional médico baseado nos dados clínicos do paciente, na sua experiência e nos equipamentos disponíveis.
Neste caso , o colega optou por uma indução anestésica, mas preservando a respiração espontânea, e utilizando um Fibroscópio Flexível para concretirar a intubação traqueal. A fibroscopia também auxiliou na extubação, observando a integridade e o funcionamento das cordas vocais no pós-operatório.
Nosso grupo também apresentou um relato de caso muito semelhante no encontro do SAM 2011 . Nossa saída foi um pouco diferente. Reproduzo o relato para a avaliação de vocês.
Grande Abraço à todos.
Equipe CTVA.
VIA AÉREA DIFÍCIL PREVISTA: ABORDAGEM SEGURA COM ANESTESIA TÓPICA E DISPOSITIVO OPTICO AIRTRAQ Ò.
Mauricio. MALITO, Daniel. PERIN, Mauricio. AMARAL NETO, Rodrigo. MAIA
CTVA (Airway trainning Center – São Paulo , BRASIL)
www.ctva.com.br
RESUMO
A via aérea difícil é um desafio para todos os profissionais médicos. Os algoritmos atualizados destacam a importância em uma avaliação prévia dos pacientes buscando detectar os sinais preditivos de dificuldade e orientam uma abordagem segura da via aéreaŒ. A utilização de técnicas como sedação consciente, anestesia tópica eficiente e otimizada, associados à utilização de novos dispositivos ópticos , determinou importante avanço neste sentido.
RELATO DE CASO :
Paciente LMSL ,51 anos, diagnóstico de  Carcinoma de mama esquerda em tratamento quimioterápico ( 6 sessões) e programação cirúrgica de mastectomia ESQUERDA. Durante a internação foi observado abaulamento cervical que após investigação evidenciou bócio multinodular. Ao exame Mallampati III, Abertura de boca 4,0cm, Upper lip bite test classe I , distancia tireo-mento> 6,5cm.
Durante a avaliação pré-anestésica notamos massa palpável na região topográfica da tireóide . Paciente não apresentava queixas respiratórias, negava estridor e rouquidão. O RX de tórax mostrava muito bem a traquéia desviada para a esquerda


LAUDO DA TOMOGRAFIA :
TOMOGRAFIA cervical mostra bócio multinodular, presença de
nódulo iniciando no terço inferior do lobo direito e se estende até a
fúrcula esternal, com intimo contato com art. Braquiocefálica.  Medialmente
oblitera o suco traqueoesofágico direito ( localização do laríngeo
recorrente), deslocando laringe e estruturas para a esquerda. Lateralmente
desloca a art. carótida comum para a direita e comprime a jugular interna
direita. Anterior abaulamento local e posterior parece restrito pela fascia
pré-vertebral.
 Nódulo mede 6,5 X 5,3 X 4,0 cm.
TAMBÉM SINAIS DE ESPONDILITE
CERVICAL.
No mediastino as estruturas estavam preservadas .
NOSSA CONDUTA : INFORMAR A PACIENTE, CONSENTIMENTO PARA ANESTESIA TÓPICA E INTUBAÇÃO ACORDADA.
                   Paciente colaborativa. Oferta de oxigênio por cateter nasal de O2 100%, 2,0 litros/minuto. Realizada sedação consciente( Midazolan 2mg e Fentanil 75mg) e anestesia tópica, utilizando Lidocaina 2% sem vasoconstritor através de atomizador (MADÒ),nos pilares amigdalianos usamos Lidocaina Gel 2%.  Não realizamos o
bloqueio trans-laríngeo , pois com o desvio da traqueia e alteração anatômica, achamamos mais
prudente não utilizá-lo.
 Mas com o atomizador( e ajuda do paciente) pudemos
chegar quase até pregas vocais e um pouquinho de anestésico deve ter chegado
na subglote. Fizemos  a introdução do AIRTRAQ AZUL com muita facilidade e após
locado como lamina de MILLER,  executamos um movimento rotacional para a esquerda em procura da imagem da
via aérea. Com cerca de 30-40° de rotação lateral esquerda em relação a posição
neutra do AIRTRAQ obtivemos uma imagem muito boa da via aérea(Cormack –Lehane I / POGO 100%). Observamos que as
cordas vocais  estavam aparentemente normais e funcionantes. Então complementamos  a anestesia tópica nas cordas vocais
com atomizador no canal do AIRTRAQ. Neste momento realizamos a introdução do tubo traqueal e
concretizamos a IOT que foi bem tolerada pela paciente.
ANESTESIA VENOSA COM PROPOFOL E ALFENTANIL e ATRACURIO.
TEMPO CIRURGICO 2 horas. EXTUBAÇÃO SEM INTERCORRENCIAS COM PACIENTE  BEM
DESPERTO.
CONCLUSÃO :  Frente aos sinais  e alteração anatômicas que sugerem uma via aérea difícil a abordagem com sedação consciente e conservadora da respiração espontânea  se mostrou bastante segura e bem aceita pela paciente. A utilização do AIRTAQ em intubação acordado neste caso possibilitou uma otima visualização glotica e facilitou muito a intubação.

REFERêNCIAS :
Œ American Society of Anesthesiologist.
Practice guidelines for management of the
difficult airway. A report by the American
Society of Anesthesiologists Task Force on
Management of the Difficult Airway.
Anesthesiology 1993; 78:597-602.
 A. Suzuki, Y. Toyama, H. Iwasaki, J. Henderson.
Airtraq® for awake tracheal intubation
Anaesthesia
Volume 62, Issue 7, pages 746–747, July 2007.
Ž S M. Yentis and D. J. H. Lee.
 Evaluation of an improved scoring system for the gradingof direct laryngoscopy
Anaesthesia, 1998, 53, pages 1041–1044.
 Zahid Hussain Khan, MD, Arash Kashfi, MD, and Elham Ebrahimkhani, MD
A Comparison of the Upper Lip Bite Test (a Simple New
Technique) with Modified Mallampati Classification in
Predicting Difficulty in Endotracheal Intubation:
A Prospective Blinded Study
Anesth Analg 2003;96:595–9
 A. Suzuki, N. Abe, T. Sasakawa, T. Kunisawa, O. Takahata, H Iwasaki.
Pentax-AWS( airway scope) and Airtraq: big difference between two similar devices”
J Anesth(2008) 22:191-192.
RM. Levitan, EA Ochroch, S. Kush, FS. Shofer, JE. Hollander.   
“Assessment of Airway Visualization: Validation of the Percentage of Glottic Opening (POGO) Scale”. Academic Emergency Medicine , Vol5, Number 9, Sept 1998.


5 comentários:

  1. Caro Malito,

    da mesma forma que você acompanhei a discussão no SAM-Forum sobre bócios em estágio avançado, com compressão das vias aéreas. A maior parte dos colegas citou a importância da preservação da ventilação espontânea. Porém como você bem comentou, essa conduta não foi unânime.
    Concordo com o restante dos colegas de que mantendo-se a ventilação espontânea diversas técnicas podem ser utilizadas dependendo da habilidade do profissional envolvido e dependendo dos equipamentos disponíveis.

    No entanto me surpreendi quando li comentários de colegas que consideram a indução da anestesia nestes pacientes uma alternativa viável.
    Não quero dizer com isso que em casos como o citado pela colega de Portugal ( Cidade do Porto ) o colabamento das vias aéreas após a indução é uma certeza, mas se existe essa chance não consigo entender o porque arriscar a vida de um paciente com a indução e não fazer o manejo das vias aéreas sob anestesia tópica e sedação consciente. Caso o colabamento das vias aéreas se comprove o responsável pelo manejo das vias aéreas terá apenas o "tempo de apnéia" (no máximo 4 a 6 minutos) para resolver o caso e obter uma intubação.

    Quem já usou um Glidescope (dispositivo pelo qual optou a colega) sabe o quanto o dispositivo é útil e eficiente e também sabe que o cenário "vejo a via aérea mas não intubo" não é raro com os videolaringoscópios. Assim, imagino qual pode ser o desfecho de caso semelhante caso se opte pela indução e a intubação não seja atingida na primeira tentativa e seja necessária a ventilação com pressão positiva (VPP) para que se organize uma nova tentativa. Em casos como este a VPP muitas vezes não é possível e o tempo para a busca de alternativas ao manejo das vias aéreas é muito reduzido o que expõe o paciente a riscos.

    Para casos como bócios de grande volume, com distorção da anatomia continuo considerando a preservação da ventilação espontânea como o ponto crucial do procedimento.

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    1. Concordo com seu posicionamento. Tanto que no caso descrito acima (não o de Portugal) nossa meta sempre foi a preservação respiração espontânea. No caso de Portugal toda estratégia dependia do exito do equipamento escolhido, no caso o GLIDESCOPE, e na falha deste não sobra muita margem para um plano B.

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  2. Colegas,

    Acredito que frente a esses casos desafiadores, temos que ter sempre a segurança como foco para não submeter o paciente a um risco maior que um benefício. Existe um detalhe importante no caso apresentado no forum: a paciente se RECUSA a fazer qualquer procedimento acordada.
    Nesse momento a situação que é controlada com fibroscopia e sedação consciente de uma forma relativamente fácil começa a complicar.

    Como não podemos garantir que a paciente não lembre da manipulação das vias aéreas, a única alternativa para IOT dessa paciente é indução anestésica mas estou de acordo com o doutor maurício amaral que o fundamental é a preservação da ventilação espontânea.

    Qual o problema disso? Após indução da anestesia, como temos certeza que não vai ocorrer depressão da ventilação? Como garantimos que o bócio não irá obstruir a passagem do ar para as vias aéreas?

    Chegamos no ponto que quero discutir nessa oportunidade dada a nós pelo Dr. Malito. Temos que ter nossos "planos" alternativos caso as coisas saiam erradas. Caso a sedação saia do controle e impeça a ventilação do paciente que apresenta bócio (principalmete mergulhante), tirando as alternativas tradicionais de resgate de ventilação como dispositivos supraglóticos (que podem não funcionar) ou ventilação a jato transtraqueal (que é muito difícil de localizar a membrana cricotireoídea) temos sempre que pensar na broncoscopia rígida.

    Pensar na broncoscopia rígida implica em não somente ter a idéia mas efetivamente viabilizar a idéia. Para tanto temos que ter o cirurgião de cabeça e pescoço na sala e todo o aparelho pronto e montado para que, caso exista colapso das vias aéreas, o broncofibroscópio rígido consiga, mecanicamente tracionar o bócio para cima e permeabilizar a via aérea. Não é raro haver óbito após obstrução completa das vias aéreas pelo bócio e incapacidade de realizar cricotireoidostomia pela presença do bócio na regiao cricóide.
    Prevenir é melhor que remediar.

    Abraço a todos e boa semana.

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    1. Muitas vezes nas situações mais difíceis a saída mais adequada é conduta mais simples. Se talvez a paciente pudesse entender como se realiza uma IOT acordada de maneira adequada, sem dor ou sofrimento ( convencida por vídeos ou fotos), ela permitisse esta alternativa que agregaria muito mais segurança para ela própria. Muitas vezes o paciente não sabe o que é melhor para ele, cabe a nós profissionais de saúde indicar o caminho.

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  3. caros colegas,
    Como não tenho a vivência e conhecimento dos senhores só posso dizer que não me sinto a vontade de sedar esta paciente, já que meu compromisso é com a vida do paciente e não o conforto ..... e me sentiria a vontade de dizer a ela os riscos e me recusaria a fazer o procedimento da forma acima descrita.
    Ricardo Gonçalves Prado.

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