Olá Amigos e leitores do BLOGCTVA.
Nesta última semana o FORUM do SAM ( Society for Airway Management) apresentou uma discussão bastante interessante. Um dos participantes relatou um caso onde o paciente desenvolveu um Bócio de grande volume que comprimia a via aérea e desviava a traqueia. A paciente se recusava à qualquer tipo de manipulação da via aérea acordada.
Os especialistas do SAM apresentaram vários aspectos da patologia e sugeriram várias técnicas de abordagem da via aérea, destacaram cuidados também com a ventilação e com a extubação. Para muitos ( mas não para todos) o mais importante era manter a respiração espontânea como forma de garantir a patência da via aérea.
Esta falta de consenso exemplifica que frente à algumas situações difíceis existem várias condutas aceitáveis, mas provavelmente nenhuma delas é isenta de riscos ou complicações. A decisão cabe ao profissional médico baseado nos dados clínicos do paciente, na sua experiência e nos equipamentos disponíveis.
Neste caso , o colega optou por uma indução anestésica, mas preservando a respiração espontânea, e utilizando um Fibroscópio Flexível para concretirar a intubação traqueal. A fibroscopia também auxiliou na extubação, observando a integridade e o funcionamento das cordas vocais no pós-operatório.
Nosso grupo também apresentou um relato de caso muito semelhante no encontro do SAM 2011 . Nossa saída foi um pouco diferente. Reproduzo o relato para a avaliação de vocês.
Grande Abraço à todos.
Equipe CTVA.
VIA AÉREA
DIFÍCIL PREVISTA: ABORDAGEM SEGURA COM ANESTESIA TÓPICA E DISPOSITIVO OPTICO
AIRTRAQ Ò.
Mauricio. MALITO,
Daniel. PERIN, Mauricio. AMARAL NETO, Rodrigo. MAIA
CTVA (Airway
trainning Center – São Paulo , BRASIL)
www.ctva.com.br
RESUMO
A via aérea difícil é um desafio para todos os
profissionais médicos. Os algoritmos atualizados destacam a importância em uma
avaliação prévia dos pacientes buscando detectar os sinais preditivos de
dificuldade e orientam uma abordagem segura da via aérea. A utilização de
técnicas como sedação consciente, anestesia tópica eficiente e otimizada,
associados à utilização de novos dispositivos ópticos , determinou importante
avanço neste sentido.
RELATO DE CASO :
Paciente LMSL ,51 anos, diagnóstico de Carcinoma de mama esquerda em tratamento
quimioterápico ( 6 sessões) e programação cirúrgica de mastectomia ESQUERDA.
Durante a internação foi observado abaulamento cervical que após investigação
evidenciou bócio multinodular. Ao exame Mallampati III, Abertura de boca 4,0cm,
Upper lip bite test classe I , distancia tireo-mento> 6,5cm.
Durante a avaliação pré-anestésica notamos massa
palpável na região topográfica da tireóide . Paciente não apresentava queixas
respiratórias, negava estridor e rouquidão. O RX de tórax mostrava muito bem a
traquéia desviada para a esquerda
LAUDO DA TOMOGRAFIA :
TOMOGRAFIA cervical mostra bócio
multinodular, presença de
nódulo iniciando no
terço inferior do lobo direito e se estende até a
fúrcula esternal, com
intimo contato com art. Braquiocefálica. Medialmente
oblitera o suco
traqueoesofágico direito ( localização
do laríngeo
recorrente), deslocando
laringe e estruturas para a esquerda. Lateralmente
desloca a art. carótida
comum para a direita e comprime a jugular interna
direita. Anterior abaulamento local e
posterior parece restrito pela fascia
pré-vertebral.
Nódulo mede 6,5 X 5,3 X 4,0 cm.
TAMBÉM SINAIS DE ESPONDILITE
CERVICAL.
No mediastino as
estruturas estavam preservadas .
NOSSA CONDUTA :
INFORMAR A PACIENTE, CONSENTIMENTO PARA ANESTESIA TÓPICA E INTUBAÇÃO ACORDADA.
Paciente
colaborativa. Oferta de
oxigênio por cateter nasal de O2 100%, 2,0 litros/minuto. Realizada sedação
consciente( Midazolan 2mg e Fentanil 75mg)
e anestesia tópica, utilizando Lidocaina 2% sem vasoconstritor através de
atomizador (MADÒ),nos
pilares amigdalianos usamos Lidocaina
Gel 2%. Não
realizamos o
bloqueio trans-laríngeo
, pois com o desvio da traqueia e alteração anatômica, achamamos mais
prudente não utilizá-lo.
Mas com o atomizador( e ajuda do paciente)
pudemos
chegar
quase até pregas vocais e um pouquinho de anestésico deve ter chegado
na subglote.
Fizemos a introdução do AIRTRAQ AZUL com
muita facilidade e após
locado como lamina de
MILLER, executamos um movimento rotacional para a
esquerda em procura da imagem da
via aérea. Com cerca de 30-40° de rotação
lateral esquerda em relação a posição
neutra do AIRTRAQ obtivemos uma imagem muito
boa da via aérea(Cormack –Lehane I / POGO 100%).
Observamos que as
cordas vocais
estavam aparentemente normais e funcionantes. Então
complementamos a anestesia tópica
nas cordas vocais
com atomizador no canal
do AIRTRAQ. Neste momento realizamos a introdução do tubo
traqueal e
concretizamos a IOT que
foi bem tolerada pela paciente.
ANESTESIA VENOSA COM PROPOFOL E ALFENTANIL
e ATRACURIO.
TEMPO CIRURGICO 2
horas. EXTUBAÇÃO SEM INTERCORRENCIAS COM PACIENTE BEM
DESPERTO.
CONCLUSÃO : Frente aos sinais e alteração anatômicas que sugerem uma via
aérea difícil a abordagem com sedação consciente e conservadora da respiração
espontânea se mostrou bastante segura e bem aceita pela
paciente. A utilização do AIRTAQ em intubação acordado neste caso possibilitou
uma otima visualização glotica e facilitou muito a intubação.
REFERêNCIAS :
American Society of Anesthesiologist.
Practice
guidelines for management of the
difficult
airway. A report by the American
Society of
Anesthesiologists Task Force on
Management of
the Difficult Airway.
Anesthesiology 1993; 78:597-602.
A. Suzuki, Y. Toyama, H. Iwasaki, J. Henderson.
Airtraq®
for awake tracheal intubation
Anaesthesia
Volume 62, Issue 7, pages 746–747, July 2007.
S M. Yentis and D. J. H. Lee.
Evaluation of an improved scoring
system for the gradingof direct laryngoscopy
Anaesthesia,
1998, 53, pages 1041–1044.
Zahid
Hussain Khan, MD, Arash Kashfi, MD, and Elham Ebrahimkhani, MD
A
Comparison of the Upper Lip Bite Test (a Simple New
Technique)
with Modified Mallampati Classification in
Predicting
Difficulty in Endotracheal Intubation:
A
Prospective Blinded Study
Anesth Analg 2003;96:595–9
A. Suzuki, N. Abe, T. Sasakawa, T. Kunisawa, O. Takahata, H Iwasaki.
“Pentax-AWS( airway scope) and Airtraq: big
difference between two similar devices”
J
Anesth(2008) 22:191-192.
RM. Levitan, EA Ochroch, S. Kush, FS. Shofer,
JE. Hollander.
“Assessment of Airway Visualization: Validation
of the Percentage of Glottic Opening (POGO) Scale”. Academic Emergency Medicine , Vol5, Number 9,
Sept 1998.
Caro Malito,
ResponderExcluirda mesma forma que você acompanhei a discussão no SAM-Forum sobre bócios em estágio avançado, com compressão das vias aéreas. A maior parte dos colegas citou a importância da preservação da ventilação espontânea. Porém como você bem comentou, essa conduta não foi unânime.
Concordo com o restante dos colegas de que mantendo-se a ventilação espontânea diversas técnicas podem ser utilizadas dependendo da habilidade do profissional envolvido e dependendo dos equipamentos disponíveis.
No entanto me surpreendi quando li comentários de colegas que consideram a indução da anestesia nestes pacientes uma alternativa viável.
Não quero dizer com isso que em casos como o citado pela colega de Portugal ( Cidade do Porto ) o colabamento das vias aéreas após a indução é uma certeza, mas se existe essa chance não consigo entender o porque arriscar a vida de um paciente com a indução e não fazer o manejo das vias aéreas sob anestesia tópica e sedação consciente. Caso o colabamento das vias aéreas se comprove o responsável pelo manejo das vias aéreas terá apenas o "tempo de apnéia" (no máximo 4 a 6 minutos) para resolver o caso e obter uma intubação.
Quem já usou um Glidescope (dispositivo pelo qual optou a colega) sabe o quanto o dispositivo é útil e eficiente e também sabe que o cenário "vejo a via aérea mas não intubo" não é raro com os videolaringoscópios. Assim, imagino qual pode ser o desfecho de caso semelhante caso se opte pela indução e a intubação não seja atingida na primeira tentativa e seja necessária a ventilação com pressão positiva (VPP) para que se organize uma nova tentativa. Em casos como este a VPP muitas vezes não é possível e o tempo para a busca de alternativas ao manejo das vias aéreas é muito reduzido o que expõe o paciente a riscos.
Para casos como bócios de grande volume, com distorção da anatomia continuo considerando a preservação da ventilação espontânea como o ponto crucial do procedimento.
Concordo com seu posicionamento. Tanto que no caso descrito acima (não o de Portugal) nossa meta sempre foi a preservação respiração espontânea. No caso de Portugal toda estratégia dependia do exito do equipamento escolhido, no caso o GLIDESCOPE, e na falha deste não sobra muita margem para um plano B.
ExcluirColegas,
ResponderExcluirAcredito que frente a esses casos desafiadores, temos que ter sempre a segurança como foco para não submeter o paciente a um risco maior que um benefício. Existe um detalhe importante no caso apresentado no forum: a paciente se RECUSA a fazer qualquer procedimento acordada.
Nesse momento a situação que é controlada com fibroscopia e sedação consciente de uma forma relativamente fácil começa a complicar.
Como não podemos garantir que a paciente não lembre da manipulação das vias aéreas, a única alternativa para IOT dessa paciente é indução anestésica mas estou de acordo com o doutor maurício amaral que o fundamental é a preservação da ventilação espontânea.
Qual o problema disso? Após indução da anestesia, como temos certeza que não vai ocorrer depressão da ventilação? Como garantimos que o bócio não irá obstruir a passagem do ar para as vias aéreas?
Chegamos no ponto que quero discutir nessa oportunidade dada a nós pelo Dr. Malito. Temos que ter nossos "planos" alternativos caso as coisas saiam erradas. Caso a sedação saia do controle e impeça a ventilação do paciente que apresenta bócio (principalmete mergulhante), tirando as alternativas tradicionais de resgate de ventilação como dispositivos supraglóticos (que podem não funcionar) ou ventilação a jato transtraqueal (que é muito difícil de localizar a membrana cricotireoídea) temos sempre que pensar na broncoscopia rígida.
Pensar na broncoscopia rígida implica em não somente ter a idéia mas efetivamente viabilizar a idéia. Para tanto temos que ter o cirurgião de cabeça e pescoço na sala e todo o aparelho pronto e montado para que, caso exista colapso das vias aéreas, o broncofibroscópio rígido consiga, mecanicamente tracionar o bócio para cima e permeabilizar a via aérea. Não é raro haver óbito após obstrução completa das vias aéreas pelo bócio e incapacidade de realizar cricotireoidostomia pela presença do bócio na regiao cricóide.
Prevenir é melhor que remediar.
Abraço a todos e boa semana.
Muitas vezes nas situações mais difíceis a saída mais adequada é conduta mais simples. Se talvez a paciente pudesse entender como se realiza uma IOT acordada de maneira adequada, sem dor ou sofrimento ( convencida por vídeos ou fotos), ela permitisse esta alternativa que agregaria muito mais segurança para ela própria. Muitas vezes o paciente não sabe o que é melhor para ele, cabe a nós profissionais de saúde indicar o caminho.
Excluircaros colegas,
ResponderExcluirComo não tenho a vivência e conhecimento dos senhores só posso dizer que não me sinto a vontade de sedar esta paciente, já que meu compromisso é com a vida do paciente e não o conforto ..... e me sentiria a vontade de dizer a ela os riscos e me recusaria a fazer o procedimento da forma acima descrita.
Ricardo Gonçalves Prado.